" But the worst is that people are incorrigible. After a few years they embark anew upon credit expansion, and the old story repeats itself."
Ludwig von Mises - Human Action
Ludwig von Mises - Human Action
Esses longos feriados de fim de ano sempre propiciam ótimos momentos de reflexão para a esquisitíssima categoria de brasileiros (não devo estar sozinho...) que padecem de uma incontornável ojeriza à areia, bronzeador e multidões à beira mar. Desse modo, resolvi gastar uma parte do tempo livre lendo pela primeira vez uma obra de Murray Rothbard, economista norte-americano - infelizmente já falecido - afiliado à respeitabilíssima linhagem da escola austríaca de economia. America´s Great Depression analisa os efeitos concretos das intervenções promovidas pelas autoridades monetária e pelo governo norte-americano nos primeiros anos da Grande Depressão, ainda durante o mandato de Herbert Hoover, o predecessor de Franklin D. Roosevelt. Embora este último tenha se tornado conhecido como o pai do New Deal, Rothbard demonstra convincentemente que a maior parte das políticas aplicadas por Roosevelt foram esboçadas e já estavam sendo aplicadas - embora com uma dose menor de radicalismo - sob o governo Hoover, o qual nunca demonstrou muita convicção, mesmo antes da crise, nos princípios do laissez - faire.
O mais interessante no livro é, logicamente, a apreciação do autor quanto às causas da crise e quanto à eficácia das políticas intervencionistas amplamente apresentadas como "solução" para a depressão econômica. Na visão de Rothbard - ou da escola austríaca, melhor dizendo - o boom econômico que precede uma depressão é causado por uma política monetária frouxa (easy money) insistentemente perseguida pelos bancos centrais (no caso americano, pelo Federal Reserve), a qual motiva uma expansão exagerada do crédito na economia acompanhada da conseqüente queda das taxas de juros no mercado de crédito, que por sua vez distorce os cálculos econômicos dos empreendedores, pois leva-os a alocar fatores de produção escassos em projetos para os quais não há uma real demanda de consumo. Aqui é preciso ter em mente que para a escola austríaca a taxa de juros é uma expressão das preferências de tempo dos consumidores - uma queda na preferência de tempo , i.e., uma propensão à adiar o consumo presente em prol do consumo futuro leva a uma maior disponibilidade de capital na economia; o contrário ocorre quanto há uma elevação preferência de tempo e os consumidores preferem incrementar o consumo presente em detrimento do consumo futuro. Dessa feita, a expansão artificial do crédito - ou seja, uma expansão do crédito sem a correspondente expansão do capital realmente disponível na economia, posto que não houve uma diminuição nas preferências de tempo dos consumidores - fatalmente leva a uma onda de maus investimentos que não obstante a improdutividade (subprime loans, por exemplo...) acabam por retirar da economia recursos escassos que deixam de ser empregados em áreas onde teriam uma maior utilidade.
Como o processo de inflação artificial do crédito não pode prosseguir indefinidamente, pois é impossível sustentar para sempre a operação deficitária dos empreendimentos cuja rationale está calcada em um avaliação errônea das preferências de consumo, a bolha um dia estoura e o processo de ajuste tem início: os bancos comerciais tornam-se muito mais seletivos na concessão de crédito; empresas financeiramente frágeis quebram; o produto interno se retrai; o desemprego aumenta; uma deflação generalizada de preços (das matérias primas e demais fatores de produção, de bens intermediários e de bens de consumo) tem início; bancos assolados pela inadimplência do crédito facilmente concedido quebram; uma crise de confiança no sistema bancário se instala; no limite a população perde a confiança na moeda... Esse cenário horrendo e invariavelmente temido por todos é, porém, um mal necessário, pois a depressão que se segue ao boom nada mais é do que o ajuste natural pelo qual economia tem que passar no seu retorno à normalidade.
Rothbard nota que em crises anteriores à de 1929 o processo de ajuste sempre foi rápido e intenso, com a economia retornando à normalidade após 18 meses em média. A depressão econômica que se seguiu ao estouro da bolha de crédito em 29, no entando, durou quase 10 anos! Porquê? Na melhor tradição liberal, Rothbard demonstra com argumentos bastante verossímeis que as sucessivas intervenções do FED e do Governo no sentido de conter os efeito do ajuste (p.ex., insistindo em uma política monetária inflacionária - que foi a própria causadora da crise; estabelecendo controles de preços; concedendo subsídios a determinados setores econômicos e impedindo um reajuste nos níveis salariais para readequa-los à deflação de preços), apenas tiveram o condão de prolongá-lo por um período muito superior ao necessário. Isso além de contribuir para agravar a sua intensidade (com efeito, a manutenção dos salários nominais em níveis estáveis contribuiu enormemente para os recordes de desemprego registrados no período).
Avançando a história para a primeira década século XXI, é impossível negar o acerto da observação de Mises que epigrafa este post: a mesma expansão irresponsável do crédito, estimulada a torto e a direito pelas autoridades monetárias ávidas pelo reconhecimento político imediato resultante do "progresso" econômico e aplaudida, também a torto e a direito, por empreendedores e líderes empresariais (afinal, é de sua natureza gostar de crédito fácil) está na raiz da atual crise e agora resta passar pelo doloroso processo de ajuste, até que a economia retorne à normalidade e os bancos centrais dêem início a uma nova inflação de crédito...
Voltando um pouco ao mercado financeiro, postei ao lado o gráfico semanal do DJI, mostrando o comportamento do índice durante os anos mais agudos da crise. Note-se o pico de 386 pontos atingido em 03/09/1929, a suave correção que a princípio se seguiu e o pânico instalado a partir de 21/10/1929, com a perda do suporte situado e