"Deixa-os, são condutores cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova"
Mateus, 15:14
Os problemas que hoje afetam o mercado financeiro norte-americano - com os previsíveis reflexos em outros países - contemplam todos os ingredientes clássicos de uma crise financeira: excesso de liquidez nos mercados internacionais e conseqüente expansão do crédito fácil e barato; otimismo ingênuo em um determinado setor de mercado, no caso o imobiliário, levando muitos a crer que "os preços sempre sobem"; agentes do mercado aproveitando-se do crédito fácil e da elevada liquidez para estruturar operações financeiras excessivamente alavancadas e, last but not least, a percepção de que os riscos envolvidos nessas operações eram aceitáveis e estavam perfeitamente sob controle. Olhando em retrospecto, é evidente que os riscos não eram aceitáveis e muito menos estavam sob controle. E aqui chegamos ao ponto do post de hoje: se o gerenciamento de riscos é justamente a principal linha de defesa contra perdas catastróficas, como é possível que bancos de investimento, securitizadoras e agencias de rating tenham falhado tão estrondosamente na avaliação de risco dos instrumentos derivativos lastreados no crédito imobiliário?
No entender deste modesto blogueiro, a raiz do problema em questão é a seguinte: os modelos de gerenciamento de risco empregados pelas instituições financeiras estão amparados em uma metodologia estatística incapaz de estimar o impacto de eventos extremos sobre um portfólio de investimentos e por isso deixar-se guiar por eles nas decisões sobre investimentos equivale a deixar-se guiar pelo cego da proverbial parábola. Esta percepção foi levantada, com maestria, por Nicholas TALEB ainda antes da publicação de seu best-seller mais conhecido - no Brasil, desconfio que mais falado do que conhecido propriamente - The Black Swan. No seu livro anterior, Fooled by Randomness (1a edição de 2001), ele expõe com muita clareza a premissa básica de sua compreensão do mercado e da vida em geral: eventos imprevisíveis e inesperados ocorrem com freqüência bem maior do que imaginamos e eles podem ter um impacto desproporcional em nossas vidas, seja para melhor, seja para pior. Mas exatamente qual seria o equivoco das metodologias empregadas atualmente no gerenciamento de risco? Vou tentar ilustrar da maneira mais simples possível com um exemplo ocorrido esta semana no mercado brasileiro: o tombo de -35% nas ações da Sadia, ocorrido literalmente da noite para o
dia.
Olhe o gráfico de barras : ele contém os últimos quarenta dias de movimentação dos preços de SDIA4. A avaliação estatística do risco implícito em um
A distribuição normal serve como premissa para o cálculo do mais importante indicador estatístico utilizado na avaliação de risco de um portfólio: o desvio padrão. O desvio padrão é, em última análise, um indicador da distribuição d

A grande falha dessa metodologia, segundo TALEB, é que ela parte da premissa de que as variações de preços dos ativos financeiros podem ser (mais ou menos) enquadrados dentro de uma distribuição normal, o que leva seus usuários a acreditarem que os riscos envolvidos em operação com estes ativos podem ser seguramente mensurados dentro de intervalos de confiança previsíveis. Essa premissa, todavia, demonstra-se incompatível com o que se observa no dia-a-dia de funcionamento dos mercados. Tome-se de novo o caso de SDIA4. Imagine que é você é um investidor interessado em comprar o papel e decida rodar no Excel uma análise do desvio padrão das variações de preço de SDIA4 até o dia 24/09 - antes, portanto da queda catastrófica da sexta-feira, dia 26/09. Pegando a mesma série de dados que eu venho utilizando, você verifica que até o referido dia 24 o desvio-padrão era de 3,36%, logo, pensa você, é possível estimar com 99,6% de confiança (3 desvios-padrão) que o papel não irá cair mais do que 10,08% em um único dia. Confiante, você compra SDIA4 no dia 25/09 pelo preço de fechamento de R$ 9,30. E no dia seguinte observa, incrédulo e em pânico, a cotação abrir a R$ 6,80, cair até R$ 5,82 e fechar cravada em R$ 6,00.
O quê aconteceu? Como é possível o maldito papel movimentar-se em uma magnitude de mais de 9,5 Sigma? Estatisticamente isso é quase impossível! É mais fácil morrer atingido por um raio do que um movimento de 9,5 Sigma atingir um papel do meu portfólio! Bom, aconteceu que a variação de preços no mercado não se submete à uma distribuição normal, estatisticamente previsível. Os preços dos ativos estão constantemente sujeitos a variações abruptas e extremas, às vezes na casa das dezenas de Sigma, porque influenciados por uma quantidade quase infinita de variáveis. No caso da Sadia, quem imaginaria que o diretor financeiro de uma das maiores e mais respeitadas empresas do país, ignoraria completamente os limites de posição de hedge cambial aprovados pelo Conselho de Administração e passaria a especular pesadamente nesse mercado? Pois foi o que aconteceu, com o impacto que se viu nas cotações - um clássico Black Swan: totalmente inesperado, vindo de onde jamais se imaginou que viesse, impossível de antever e causador de um impacto relevante. Pense nisso cada vez que ouvir um "especialista" falar em intervalo de confiança no portfólio...
2 comentários:
Parabéns mais uma vez cara, muito bom o seu artigo sobre manejo de risco.
Abs,
o que eu estava procurando, obrigado
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