sábado, 25 de outubro de 2008

EXTRAORDINARY POPULAR DELUSIONS

Uma das obras mais interessantes já escritas sobre o comportamento de manada que freqüentemente toma conta das massas, as faz acreditar nas mais absurdas promessas e as leva a agir das maneiras mais irracionais possíveis foi publicada em 1841 pelo jornalista inglês Charles Mackay: trata-se do clássico Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds, leitura absolutamente obrigatória para os investidores que pretendem compreender como se formam as bolhas especulativas, como elas estouram e porque as baixas que se seguem ao estouro são tão irracionais quanto a própria bolha especulativa. A obra é extensa e para quem investe no mercado financeiro os capítulos mais interessantes são certamente os três primeiros que tratam, o primeiro, da bolha especulativa motivada pela "loucura do Mississippi" - Mississippi madness - que levou os franceses a pagar fortunas pelas ações de uma empresa que nunca gerou um centavo de receita, entre 1719/1720; o segundo, de uma bolha muito semelhante à primeira, só que ocorrida na Inglaterra, com a tresloucada especulação em torno das ações da South Sea Company, em 1720; o terceiro trata da "Tulipomania" que tomou conta dos holandeses por volta de 1637 e os fazia oferecer o equivalente a cinco hectares de terras por um único bulbo de tulipa...

O mais interessante foi caso da South Sea Company. A empresa foi fundada em 1711 e foi agraciada, pelo Tratado de Utretch, com o direito de enviar um único navio para comprar mercadorias dos portos espanhóis na América do Sul. Essa prerrogativa foi exercida uma só vez em 1717, resultando em um baixíssimo lucro para a empresa e foi revogada em 1718 em virtude do rompimento das relações diplomáticas entre a Inglaterra e a Espanha. Mas a essa altura o comércio não era mais a única ocupação da Co
mpanhia, pois ela atuava como uma empresa financeira, tomando uma parte das dívidas do Tesouro britânico em troca de direitos exclusivos sobre o comércio de certas mercadorias. Em 1720 foi aprovada a transação que deu origem à bolha especulativa: o Parlamento aprovou a transferência de quase metade da dívida pública inglesa para a South Sea Company, que iria abatê-la com os lucros advindo do comércio com os portos espanhóis na América do Sul (o fato do comércio com as colônias espanholas estar suspenso não pareceu dar causa a maiores preocupações quanto ao sucesso da empreitada...). Aproveitando a demanda crescente por ações da South Sea - gerada pela expectativa de lucros fabulosos oriundos do comércio inexistente com as colônias espanholas - os diretores da empresa resolveram promover sucessivos aumentos de capital - quatro no total, até o estouro da bolha - mediante a emissão de novas ações (isso mesmo, caros leitores, as IPO´s não foram inventadas nos anos noventa, são tão velhas quanto o capitalismo...). A pujança, porém, durou apenas cinco meses: entre fevereiro e julho de 1720 as ações da South Sea subiram de 130 para pouco mais de 900 libras e de agosto a dezembro do mesmo ano voltaram ao patamar inicial, como se vê no primeiro dos gráficos ao lado, formando um movimento parabólico que, no século XVIII como no XXI, é indicativo seguro do estouro de uma bolha especulativa.

É interessante notar que durante o rápido ciclo especulativo, outras empresas começaram a ser criadas para captar a poupança do distinto público inglês, o qual - encantado com promessas de riqueza fácil e rápida - passou a confiar cegamente nos mais absurdos empreendimentos, a ponto do Board of Trade de Londres se ver obrigado a declarar ilegais as empresas formadas para perseguir os seguintes objetivos societário
s:
  • "Encorajar a criação de cavalos de raça na Inglaterra, promover melhoramentos nas glebas de terra da igreja e consertar e reconstruir as casas dos vigários ";(adivinhem de onde se originou a expressão "conto do vigário"?);
  • "Para o comércio de cabelo";
  • "Para assegurar os salários dos marinheiros";
  • "Para levar adiante um empreendimento de grande valia; que ninguém sabe o quê é"
Esses são apenas alguns dos exemplos mais esdrúxulos constantes na vasta lista de picaretagens compilada pelo Board of Trade e dão uma ótima medida do grau de irracionalidade que assalta os investidores - sem distinção de riqueza, classe social e nível de educação - em momentos de euforia especulativa. Logicamente, nunca faltam "espertos" se organizando para lucrar com a estultice alheia.

A propósito de bolhas especulativas
, é educativo observar o que se passou nos últimos dezoito meses no mercado brasileiro com a mania especulativa que se formou ao redor das IPO´s. Peguei uma reportagem publicada em fevereiro de 2007 por uma respeitada publicação de negócios brasileira - uma que volta e meia busca inspiração, sempre com meses de atraso, nos temas de reportagens e até nas capas de sua bem mais respeitada congênere inglesa - listando as 10 IPO´s "imperdíveis" de 2007, aquelas que proporcionariam as melhores expectativas de retorno aos crédulos e esperançosos investidores, afinal, "Na imensa maioria dos casos, as cotações subiram com a abertura, beneficiando quem comprou o papel no lançamento." A lista era a seguinte: Banco Pine, Banco Panamericano, Banco Cruzeiro do Sul, Bicbanco, Ecorodovias, Even Construtora, Faculdades Anhangüera, Friboi e JHFS.

É claro que os papéis subiram - alguns bastante até - na abe
rtura, feita próxima ao pico de um período de euforia e sempre apoiada por market makers responsáveis pela sustentação das cotações em patamares elevadíssimos. É claro também que ninguém se preocupou em informar os distintos "beneficiados com a compra do papel no lançamento", que eles deveriam utilizar algum mecanismo de trailing stop para cair fora desses papéis assim que os esquemas de sustentação começassem a entrar em colapso, como invariavelmente acaba acontecendo. Pois bem, o que houve com os preços desses dez papéis "imperdíveis" agora que a euforia passou? O destino de todos foi semelhante, e como imagens valem mais do que mil palavras, coloquei aqui ao lado os gráficos de quatro deles, que selecionei a esmo. Extraordinary popular delusions, indeed.

Um comentário:

probm disse...

Caramba cara, não acreditei que você tinha escrito sobre esse tema quando li que você tinha atualizado teu blog, na seção "blogs" do meu blog.
Eu tinha feito um esboço de artigo sobre o Charles Mackay e ele é o próximo a aparecer na seção "Bios" do meu blog.
Eu li sobre ele no wikipedia e achei mt bom o livro dele já tá no meu to do list.